O longo processo de reestruturação da Brasil Ecodiesel, iniciado no meio do ano passado, deve terminar no próximo mês com mudança no controle da empresa. Pela proposta dos bancos credores da companhia, as instituições financeiras passarão a ser as maiores acionistas convertendo as dívidas em capital. Uma das condições impostas pelos bancos foi a saída dos controladores — o fundo de investimento Zartmann e Nelson José Côrtes da Silveira —, que tinham participação pouco superior a 50%. Pelo contrato em negociação, os dois ficarão proibidos de entrar em novos acordos de acionistas na Brasil Ecodiesel por cinco anos.
A capitalização da empresa está sendo feita em duas fases, e o controle já mudou. O primeiro aumento de capital, de R$ 102 milhões, foi concluído com uma parte em conversão de dívidas e R$ 45 milhões em dinheiro novo de minoritários. Nesse aumento, a participação do fundo Zartmann e de Nelson Silveira já foi reduzida para pouco mais de 20%. A virada na empresa está sendo acompanhada de perto por um novo investidor especializado em comprar pechinchas no mercado: Silvio Tini. Comprando direitos de subscrição de minoritários e ações que estavam baratíssimas na bolsa, o empresário, que também é acionista de Bombril e Alpargatas, passou a deter 15% da Brasil Ecodiesel.
O desenho final do controle da companhia ficará claro depois do segundo aumento de capital, de R$ 90 milhões, proposto pelos bancos. Nesta última fase da reestruturação, ainda sujeita à aprovação do conselho de administração, os maiores credores — Bradesco, Fibra, BMG e Daycoval — converteriam dívidas em participação acionária. A operação ocorrerá por meio de um fundo de investimento em participações (FIP). Se apenas as instituições financeiras participarem do aumento de capital, elas ficarão com um bloco de 30% da empresa. Em caso de exercício por minoritários, o FIP dos bancos poderia ficar com 17% do capital.
Com esse processo, existe a possibilidade de a empresa passar a ter controle pulverizado. Mas o que parece mais provável é que os bancos desenhem um acordo de acionistas para o bloco de controle, incluindo os 15% detidos pelo empresário Silvio Tini e o fundo de pensão Petros, dos funcionários da Petrobras, que hoje tem pouco menos de 5% do capital. A empresa tem só ações ordinárias (ON, com voto), por estar no Novo Mercado.
Um dos sinais de pode haver um acordo é que o banco Fator e a empresa Galleas, que coordenam a reestruturação, já estão selecionando executivos para substituir o atual presidente da Brasil Ecodiesel, José Carlos Aguilera, depois da conclusão do processo. Espera-se que as mudanças sejam propostas ao conselho de administração até meados de julho. Aguilera é ex-sócio da consultoria Galeazzi, especializada em reestruturações, e preside a Ecodiesel desde abril de 2008. Procurados, o Fator e o Bradesco não se manifestaram.
Aguilera diz que a conclusão da primeira fase da reestruturação, com o aumento de capital, já está dando fôlego à companhia. “Com a entrada de dinheiro novo, o problema mais agudo de capital de giro foi solucionado”, afirma. O prejuízo da empresa subiu no primeiro trimestre, para R$ 27,4 milhões, ante perda de R$ 14,9 milhões no mesmo período de 2008 (veja quadro acima). A falta de capital de giro estava estrangulando o faturamento da Brasil Ecodiesel: a receita líquida desabou de R$ 167,3 milhões no primeiro trimestre de 2008 para R$ 42,6 milhões agora.
Após a conclusão da reestruturação, a dívida bruta da Ecodiesel cairia de R$ 290 milhões (mais de cinco vezes o patrimônio líquido atual) para algo em torno de R$ 100 milhões, dependendo da adesão dos bancos à conversão do passivo em participação acionária. Segundo projeções feitas pela Galleas, a conclusão bemsucedida do processo faria o endividamento cair para menos de duas vezes o lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (lajida), considerando que ao solucionar os maiores problemas de capital de giro a empresa passe a gerar lajida de cerca de R$ 70 milhões anuais.
A reestruturação da Brasil Ecodiesel já dura mais de um ano, e Aguilera foi contratado justamente para iniciá-la. Em agosto de 2008 foi feita a primeira renegociação da dívida bancária. Na época, foi alongada por três anos, e a primeira amortização ocorreria em setembro. Agora, os créditos estão sendo alongados de novo. Os bancos que não converterem os empréstimos em capital ficarão sujeitos ao alongamento por 48 meses, com a primeira amortização em julho de 2010. O custo da dívida passaria a 120% do CDI. Segundo fontes, apenas o ABN Amro não tem interesse na conversão.
Aguilera diz que desde que assumiu o cargo estava tentando viabilizar um aumento de capital, mas foi impedido pelas condições do mercado na crise. “Meu objetivo inicial era já ter encerrado o processo no primeiro trimestre.”
A empresa já nasceu polêmica, com controvérsias no lançamento inicial de ações. Na abertura de capital, 47% dos papéis eram controlados pela Eco Green Solutions, com sede no paraíso fiscal de Delaware, nos Estados Unidos. O controlador da empresa nunca foi revelado e consolidouse a tese de que o detentor final das ações era o empresário Daniel Birmann, inabilitado pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para atuar em companhias abertas. Em 2008, a Eco Green vendeu as ações para os fundos que controlavam a companhia até o aumento de capital.
Modelo de negócios é duvidoso
O equacionamento das questões financeiras mais urgentes não resolve problemas operacionais e do modelo de negócio da Brasil Ecodiesel. Uma pendência é a ação judicial contra a Petrobras, cujos trâmites foram suspensos durante a renegociação da dívida.A empresa entrou em julho do ano passado na Justiça pedindo a cobrança de multas contra a estatal pelo não recolhimento de biodiesel vendido em leilões da Agência Nacional do Petróleo (ANP). A Petrobras deixou de recolher volumes contratados no fim de 2007.
A produtora de biocombustíveis pediu ainda a suspensão de multas contratuais cobradas pela Petrobras referentes aos meses de abril, maio e junho de 2008. Como a estatal estava inadimplente, a Brasil Ecodiesel também passou a não cumprir a sua parte no contrato. Procurada, a Petrobras não se manifestou.
Mas o maior problema da Brasil Ecodiesel é tentar diversificar a matéria-prima para produção do biodiesel, hoje concentrada na soja. A empresa perdeu muito ao tentar viabilizar a extração do óleo de mamona. Agora, a tentativa de viabilizar o pinhão manso como matéria-prima também demandaria novos investimentos. “O que está claro é que não se pode usar recursos do mercado de capitais para desenvolver um projeto agrícola de maturação longa”, admite o presidente da empresa, José Carlos Aguilera. O desenvolvimento de fonte alternativa de matéria-prima pode demorar mais de uma década.
A companhia chegou a liderar o ranking das fabricantes de biodiesel no país, mas vem perdendo espaço com as restrições de capital de giro. Além disso, o modelo de negócios da empresa foi frustrado com o atraso na abertura do mercado de venda do combustível. O governo previa o início do mercado livre em 2008, mas até hoje as vendas são feitas exclusivamente pelos leilões da Agência Nacional do Petróleo (ANP).
por Tatiana Bautzer e Silvia Fregoni